Monday, June 8, 2015

pequenas vidas desconfortáveis.

Quando pequena chegando ao seus seis anos de vida precisava aprender a ler.
Eu dizia que não sabia ler, meus pais tentavam me ensinar e eu dizia para eles que eu não queria ler e que não queria ler e que ler não e não queria ler porque não, porque eu não sabia ler.
A junção das letras me deixava angustiada, os sons e as imagens eram algo tão longe um do outro, não entendia como iriam virara a mesma coisa.
Por que não entramos no mundo já sabendo ler, por que entramos aqui sem saber nada, por que somos assim?
Mas eu aprendi. E foi assim que descobri estes porques, a vida se baseia na formação de uma pessoas completa, e isso é muito prazeroso, abrindo seu próprio caminho com os materiais que você encontra por ai, se já saíssemos prontos não teriam motivos para continuar.



Monday, April 6, 2015

escuridão

Tão pouca é a vontade das pessoas de voltar para casa e os postes das ruas estiverem tristemente apagados, as janelas estiverem cerradas, e só restar feixes de luz bem fracas. O prédio todo apagado e o elevador parado e solitário e as pessoas teriam de subir as escadas no escuro, e se cansarem muito, forçando seu joelhos fracos e cansados do dia duro.
Deitada na cama em noites realmente escuras de apagão, sem distinguir o preto dos olhos fechados e o preto de fora,  eu me junto ao espaço. Tudo é coberto por um manto, um manto preto que nos chama a juntar tudo em um, a tornar tudo mais fácil, sem o meu nem o seu, nem o dele, e só se vai aos poucos quando a luz da manhã chega.
Entrar nesse escuro é outra realidade, você não é você nesse tempo, você pode ser tudo, sem limites, sem barreiras, um espaço onde todos podem ser do tamanho que querem.
As velas também são muito queridas.
A casa invadida pela luz que elas produzem fica mais bonita, sempre gostei de luz amarelada mais do que luz brancas que cega os olhos.
Me lembra algo mais primitivo, me lembra uma floresta mágica com fadas brilhantes amarelas, ou uma casa de camponeses tradicionais, com aquela famosa imagem clichê de uma mãe cobrindo o seu filho, dando um beijo de boa noite em sua testa, cobrindo ele e fechando a janela do frio e normalmente apagando uma vela em um candelabro com o sopro perfeito que deixa tudo escuro, o escuro em que não da para distinguir o preto dos olhos fechados e o preto de fora.
Você prefere que eu deixe a vela acesa ou apagada?




Sunday, March 15, 2015

gorilas

Todos já se incomodaram com barulhos de fora.
Meus vizinhos de cima tem um fetiche por pular depois da meia noite, podia ser maravilhoso se eu não tivesse que morar em baixo deles. Como minha sábia avó costuma dizer: não é fácil.
O provocador dos sons de cima é um menininho, que tem um adorável apelido de o gorilinha. Em tempos passados e pouco desenvolvidos , o pai desse menino vivia em cima de nós, e ele era o maior em nos atrapalhar, ele era chamado de gorila, o original. Um dia, pelo nosso bem ele sumiu. Depois disso o gorilinha pegou a vaga do pai e fez seu trabalho, mas não tão bem quanto o gorila, o original.
         Um dia não bastava mais nos atrapalhar sonoramente, o gorilinha tinha de honrar o pai. 
E nesse dia estava na sala vendo um filme, ouvi um barulho de água caindo na direção da janela, e ai  veio o cheiro, uma mistura de mostarda, canela e pimenta. Para enfrentar essa situação  era preciso uma força maior:
- MÃNHÊ!
-O que?
-Vem aqui mãnhê!
O gorilinha não foi páreo pela gigantesca montanha de fúria da mamãe e recebeu uma boa bronca pelo interfone:
-Garoto, cadê sua mãe, a dona gorila?
-Não tá aqui,  por favor não conta para ela!
-Cadê sua mãe? Passa o interfone para ela.
-Ela não está em casa, foi passear pela selva com sua amiga orangotango. Ela deixou eu e meu amigo chipanzé aqui, sozinhos! Ela vai me matar.
- O que vocês jogaram na minha janela?!
-Uma experiência.
-Que??
-A experiência que a gente fez, ficou horrível e não tinha onde colocar, ai a gente jogou, mas eu limpo. Prometo.
-Não se pode jogar experiências pela janela menino gorila, sujou a minha casa.
-Desculpa, Desculpa -Nesse tempo o gorilinha já estava sem esperanças- Eu... Eu não queria... Deixa eu ir ai e limpar, eu limpo para você! Minha mãe vai me matar
Minha mãe desligou e salvou a família macaco e quem teve que limpar a experiência e provar o desgosto maior foi o meu  pai.


Wednesday, February 25, 2015

sem saída

- Como assim sem janelas?
- Ué, sem janelas.
- Será que tem gente ai?
- Provavelmente algumas para supervisionar as máquinas.
- Máquinas?
- Máquinas e fios, no prédio inteiro.
- Que coisa! Em todos esses andares?
- É.
- Mas porque foram escolher bem aqui para colocar esse tijolo gigante? Tem algo secreto nesse bairro que você nunca me contou?
- Deixa eu ver... Acho que não.
- Como será que as pessoas  saem, se não tem porta nem janela?
- Deve ter uma porta lá naquela esquina, não dá para ver desse ângulo.
- Ou tem uma abertura para baixo! Como aqueles filmes de espionagem! Olha que sorte que nós temos, moramos bem pertinho de um prédio com atividades super secretas. 
- Bem impossível. Você acha que vão fazer alguma coisa parecida só para os funcionários  de um prédio de máquinas sem janelas? E  Como esses pobres funcionários que ficam nesse trambolho, podem criar uma rede secreta?
- Tá bom... Mas... E nesse calor, como eles fazem? Roupas especiais? Piscina na cobertura?
- Ar condicionado.
- Eu não estou vendo nenhuma máquina de ar condicionado para fora!
- Deve estar no mesmo lugar que a porta escondida.- Pequeno silêncio- Falando em ar condicionado, meus pais disseram que  a venda deles está muito alta, Brasil está mais quente que o deserto de Saara, aposto que tem mais água lá, não acha?
- Pode ser mesmo. Um dia eu quase desmaiei em uma loja da vinte cinco, era muito pequena, não tinha ventilador e a loja estava lotada. Estava quase explodindo por causa  de uma mulher bem grande que atrapalhava todo mundo. Eu comecei a ver “a luz”, achei que ia morrer.
- Isso não é verdade, não tem luz nenhuma, a gente só morre e pronto. E olha! Você está aqui.
- Você não sabe o que é morte.
- Eu sei que esse seu prédio nunca vai morrer, porque ele não é um ser vivo.
- Pode ser que seja!
- Não, não é. 
- Tudo pode acontecer, nós vivemos em um planeta no meio do universo, somos nada comparado a isso. O nada pode fazer tudo.
 - Interessante, mas nunca  existiu um prédio vivo.
 - Ahn... -Instante de silêncio.-Então pode demolir, é horrível mesmo.


Thursday, February 12, 2015

os espelhos

Nessa semana estava especialmente focada em olhar além de mim mesma,  o cotidiano das pessoas ao meu redor, o pitoresco, algo digno de ser escrito. Algo verdadeiro.

Fazia algum tempo que tentava fazer essa nova proposta, mas ainda não tinha capturado algo que valeria a pena, só pessoas andando e conversando sobre suas vidas pessoais, assuntos pouco interessantes. Como já disse, queria uma coisa além de normal, algo um tanto especial no meio dessa normalidade.
Em um outro dia, sai de casa para comprar alguma coisa para minhas novas experiências. Aproveitei para admirar e observar as ruas. Coisas simples aconteciam, meu olhar foi além das ruas, e se moveu para as janelas de prédios. O que via era normal também: Gatos andavam pelas janelas e se esfregavam nas redes brancas. Mulheres e homens fumavam seus cigarros e olhavam para todas as direções para comprovar que ninguém os observava (até que isso seria interessante).
De repente, sinto meu corpo ir para traz e quase tropeço em alguém, um alguém que não me viu também. Ao invés de olhar para frente, a mulher olhava para seu espelhinho de dois lados, com o aro branco, que segurava com firmeza, com uma de suas mãos, e imensas unhas pintadas de vermelho sangue.
Quando olhei para onde sua face deveria estar, vi meu próprio rosto assustado e deformado refletido, não sabia quem era que estava olhando para quem. Lancei um olhar incomum pelo segundo e último instante, observando meu rosto, como se fosse pela primeira vez. Depois de alguns segundos, a mulher sem rosto realizou um longo e teatral passo para o lado e seguiu seu caminho, sem nunca tirar o espelho da frente.
Não era eu que estava treinando o olhar para fora de mim, procurando o pitoresco? 
Será que todos temos nossos espelhos apontados para nós mesmos? Será que todos são incapazes de olhar para fora, para o outro, para o mundo? O outro que faz quem nós somos. Talvez exagero, a mulher estava se arrumando, mas as vezes o exagero é uma boa ferramenta para crônicas.

Tuesday, February 3, 2015

o final


Tudo tem um final, e isso me deixa profundamente triste, finais de picolés, finais de comidas preferidas, finais de músicas queridas, finais de filmes!
Mas nada se compara aos finais de livros, esses eu nem quero pensar... Desde que eu entrei no mundo maravilhoso dos livros, eu não consigo parar de ler, é tudo deslumbrante. Sentir o cheiro das páginas, conhecer um mundo novinho em folha, conhecer por dentro e por fora cada um dos personagens, se deliciar com as frases engraçadas, sofrer junto com os personagens queridos, ler as partes mais assustadoras e chocantes para a pessoa que está ao seu lado, essas são algumas das maravilhas desse mundo à parte.
O fim tem muitos lados, mas vou falar dos dois principais. Um lado tem a perda e o esquecimento e do outro, tem a graça e a beleza. Não existiriam leitores, nem escritores sem o final, os livros virariam um infinito, o mesmo de não existir livros, e nós ficaríamos vagando, procurando uma cura para a imortalidade. O final coroa os livros, da importância para eles, para tudo que acaba. Nos faz ter a capacidade de chamar algo de querido e precioso, algo de seu.
No livro História Sem Fim, Michael Ende diz que todas as verdadeiras histórias são uma História Sem Fim, e  isso é completamente verdade, o livro sempre vai estar comigo, eu acredito e leio ele e isso o faz existir. O livro não é nada, ele só é alguma coisa se eu interagir com ele, e ai eu viro cúmplice do autor diretamente. 
O problema é a passagem pela fronteira, o segundo estágio aquele em que não é mais um objeto que se usa para interagir com o autor, mas uma parte de mim, a fronteira que cutuca o meu coração e desfigura tudo ao meu redor, isto é, o fim que não é fim.
Quando estou lendo, simplesmente lendo no meu canto, eu me isolo das outras pessoas, me esqueço onde estou, dos passos e as conversas de fora e entro em outra atmosfera, estou em outro mundo, e este é o dos livros. Me sinto sendo puxada disso tudo e voltando para minha habitual vida normal quando alguém interrompe minha leitura. É tão mágico estar entre dois mundos, e a passagem, o portal entre eles estar em minhas mãos, ir e voltar tão facilmente, quando alguns nem se atrevem experimentar. Para que precisamos ir a Marte quando se tem isso?
Depois de terminar o livro, eu não acompanho mais seu tempo, o tempo segue sem minha presença e  já não sei o que está acontecendo, sou jogada para fora, e essa é a diferença entre estar lendo e depois passar pelo fim, o portal é tirado de mim. Quando eu estou lendo, minha forma e minha cabeça toda estão no livro e estão no tempo dele, mais que isso, o livro segue o meu próprio tempo, me acompanha, depois do fim, eu só olho de fora o grande todo, algumas partes estão apagadas, e tudo parece uma ilusão, eu invejo quem está dentro e anseio por voltar, nós podemos voltar para esse mundo, mas ele nunca vai ser o mesmo, ele não vai ser mais novo e impressionante como ele era antes.
O único remédio para o vazio que o final dos livros deixa nas pessoas é ler outros e outros e mais outros livros até o infinito.




Sobre alguém do além do aquém